"O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê." Platão
Do nascimento ao último suspiro, pautada por ininterrupta atividade cerebral, toda nossa vida é diálogo, ou seja, se dá através do embate de lógos.
Havendo ou não interlocutor, mesmo emudecidos, a sós, pensando "com nossos botões”, nos valemos de operações mentais constantes, das mais simples às mais sofisticadas para, com lógica, apanhar, separar, escolher, distinguir e classificar o que nos chega através dos sentidos e que brota de nossa ratio.
Havendo ou não interlocutor, mesmo emudecidos, a sós, pensando "com nossos botões”, nos valemos de operações mentais constantes, das mais simples às mais sofisticadas para, com lógica, apanhar, separar, escolher, distinguir e classificar o que nos chega através dos sentidos e que brota de nossa ratio.
Cotidianamente recorremos à dialógica (via de duplo lógos: é; não é. sim; não. talvez, etc.), seja para optar por um meio de transporte, eleger (ou recusar) um afeto, buscar a mais adequada moradia, obter um título ou cargo profissional, escolher a gravata ou, mais prosaico ainda, ao preferir entre açúcar ou adoçante. Podendo também, desprezando a ambos, tomá-lo "puro".
A dialética, no entanto, não recai apenas sobre problemas lógico-cotidianos, mas também sobre os epistemológicos (teoria do conhecimento), bem como sobre os metafísicos (ontologia – ciência do ser enquanto ser) e isso não é de pouca monta, em Filosofia torna-a pedra angular.
Dialética é movimento do lógos a respeito de algo. A dificuldade de se conceituar com precisão esta palavra deve-se ao caráter polissêmico do vocábulo, ou seja, dialética abarca mais de um significado. Armand Cuvillier salienta que: “(...) esse termo se tornou tão equívoco que é necessário precisar sempre em que sentido se está a empregá-lo”. Academicamente é "método". E o que é um método?
A palavra grega hodós significa caminho (daí rodovia, rodoviária, rodoanel etc.) e metà significa acima, além (da phýsis, natureza). Método, então, acaba por significar (met+hodós = caminho superior, correto) “percurso feito obedecendo a regras e normas intelectuais”. Assim, dialética pode ser conceituada genericamente como “um” método para se alcançar algo superior.
Dentre os primevos dialektikós citamos: Parmênides, Zenão, Heráclito, Sócrates, Platão, os sofistas (Górgias, Trasímaco, Protágoras, cujo método dialético é melhor esclarecido no link abaixo) e Plotino, cuja dialética prenunciará a moderna hegeliana.
Para Aristóteles, o pré-socrático Zenão de Eléia (cerca de 460 a.C.) é o criador da dialética. Mas ele não a utilizava para descobrir a verdade ou provar algo, usava-a simplesmente para refutar e triunfar sobre seus adversários, apontando as falsidades.
O método dialético socrático, por sua vez, subdivide-se em duas partes: a destrutiva ironia (pergunta), que revela a ignorância do interlocutor e a construtiva maiêutica (parto) que “dá à luz” ideias novas. Assim, irônico e maiêutico, Sócrates destrói, reconstrói; destrói, reconstrói sucessivamente, chegando muitas vezes a uma aporia (a=negação + poros=saída).
Como exemplo de uma aporia, Sócrates indagaria a um transeunte: “O que é a beleza?”. E este, hoje, talvez respondesse: “Ah, a beleza... não sei dizer, mas Gisele Bündchen é bela”. E ele prosseguiria: “Um cavalo também pode ser belo?”. E o interlocutor apressado: “Claro que sim”. E o Filósofo com insistência: “E uma panela, uma panela também pode ser bela?”. E seu conhecido já impaciente: “Sim, pode haver também a bela panela”. Sócrates então pergunta: “E o que há em comum entre Gisele, um cavalo e uma panela?”. Desconcertante, assim era Sócrates.
Mas, se com a dialética (dialektiké), Zenão revelava a falsidade do discurso e Sócrates chegava a uma aporia, seu discípulo Platão (427 a.C. – 347 a.C.) vai além de uma técnica discursiva, intentando nada mais, nada menos que descobrir a verdade.
Aperfeiçoando a maiêutica, ele desenvolverá seu método dialético ascendente, que possibilitará alcançar a verdade e o Bem. Platão iniciaria a marcha do lógos rumo à verdade buscando sucessivas intuições do pensamento, contrapondo teses e antíteses, afirmações e negações até se aproximar o máximo possível da essência (ousía) do que persegue.
No mito da caverna (vide artigo já postado neste Blog), por exemplo, Platão insiste que devemos resistir às percepções sensíveis (dos sentidos), pois são as ideias puras e inteligíveis que, invariáveis, permanecem sendo, mesmo diante da mutabilidade dos fenômenos particulares.
Assim, no exemplo acima, confirma que o que há em comum nos seres de nosso mundo sensível (Gisele, certo cavalo e determinada panela) é a presença de uma arché (arquiterura, comando principial) de harmonia, equilíbrio, proporção, simetria, eqüidade.
Estes elementos presentificam a ideia, o Ideal da beleza em si. Perecíveis, Giseles, cavalos e panelas passam. Platão busca o Belo eterno, não o contingente. Sua dialética torna-se ferramenta de ascensão à verdade, à beleza, à justiça e ao Bem.
Estes elementos presentificam a ideia, o Ideal da beleza em si. Perecíveis, Giseles, cavalos e panelas passam. Platão busca o Belo eterno, não o contingente. Sua dialética torna-se ferramenta de ascensão à verdade, à beleza, à justiça e ao Bem.
Com a dialética, diz Werner Jaeger “(...) o homem se liberta, pela primeira vez, das amarras do conhecimento sensível, das aparências sensíveis das coisas e descobre na inteligência o órgão para chegar à compreensão da totalidade do ser”.
Mas a dialética não é somente um modelo normativo. É retórico e também ideológico. E chegará a ser um "sistema", como veremos oportunamente.
Sendo o lógos uma ferramenta altamente capaz de advogar contra ou a favor de quem e do que quer que seja, convém versarmos quanto à origem da dialektiké techné (arte da dialética) e sua expansão.
De berço aristocrático, – pois quem detinha a palavra na Ágora (praça pública) eram os aristóis (os bem-nascidos, mais bem educados), – a arte da dialética é um produto social humano, de genealogia elitista.
Sendo o lógos uma ferramenta altamente capaz de advogar contra ou a favor de quem e do que quer que seja, convém versarmos quanto à origem da dialektiké techné (arte da dialética) e sua expansão.
De berço aristocrático, – pois quem detinha a palavra na Ágora (praça pública) eram os aristóis (os bem-nascidos, mais bem educados), – a arte da dialética é um produto social humano, de genealogia elitista.
Até então, estavam excluídos os iletrados (analfabetos), os escravos, os estrangeiros (metecos), as mulheres, as crianças e os incapazes (idiotas), aos quais era vedada participação na vida pública.
Com a ascenção dos metecos (estrangeiros, geralmente comerciantes) que devido à nova dynamis (potência) dos oikósnomós (economia, que é a norma, a lei do lar, da pólis), promoveram a figura do sophistès (sábios), foi desenvolvida e aprimorada a techné (arte), criando a arte da retórica, do bem dizer.
Assim advém a pólis: da necessidade de se organizar as regras de aquisição e administração das riquezas (economia) que surge e alcança pujança com a presença e o poder dos mercadores (metecos/estrangeiros), reflexo da própria vida em comunidade, que se expande e consome.
De fato, em comum, compartilhamos e negociamos recursos (naturais, tecnológicos, humanos, etc.) e carências. Além de valores, nascedouro da Justiça. A política pública advém da organização econômica que reflete anseios e normas privadas.
Conforme o método “palavra filosófico-científica por excelência”, a dialética incorporará caráter mais ou menos ideológico, em conformidade com os interesses daqueles que desfrutam ou intentam desfrutar do kratós (poder) político, na pólis.
Seja um método para apontar falsidades, desaguar em aporias, descortinar verdades, convencer e encantar (retórica), demonstrar ideias estruturantes ou mesmo desenvolver perguntas científicas, a dialética constitui um dos instrumentais mais elaborados para a evolução ininterrupta do pensamento. Fascinante.
Fundamental a todos àqueles que, em socorro dos injustiçados, zelam pela justiça, foi também graças a ela, à dialética, que instantaneamente, você decidiu que leria este texto.
Saiba mais:
Marcelo Lamy em “Metodologia da Pesquisa Jurídica: Técnicas de Investigação, Argumentação e Redação” – Ed. Elsevier (2011).
Na Livraria Cultura: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22353994&sid=662497141121117126095841960&k5=63C6EA2&uid=