"Eu aprendi que
ninguém é perfeito, até que você se
apaixone por essa pessoa.” Shakespeare.
"As
pessoas que vencem neste mundo são as
que procuram as circunstâncias de que
precisam e, quando não as encontram, as
criam". Bernard Shaw.
Todos
os mitos versam sobre algum drama que
vivenciamos. Paul Diel afirma que: “Os mitos
falam do destino humano sob seu aspecto
essencial; destino resultante do funcionamento
sadio ou doentio (evolutivo ou involutivo) do
psiquismo.”. O que pode haver de salutar
ou doentio no anseio pela personificação do ser
amado, previamente idealizado?
O
poeta romano Ovídio (início da era cristã), em
sua obra “Metamorfoses”, relata-nos o mito de
Pigmalião, um habilidoso escultor que, chocado
com tanta leviandade e abominando o
comportamento despudorado das mulheres, decide
viver solteiro.
Para
se distrair, esculpe então a estátua de uma
donzela incomparavelmente bela. Primoroso e
requintado em todos os detalhes, uma vez
concluída, ele se apaixona perdidamente por sua
obra, que passa a chamar de Galatéia.
Iludido
com a materialização de tamanha perfeição – “era como
se estivesse viva e somente o recato impedisse
de mover-se” –, ele a enfeita, abraça,
beija, faz elogios e lhe mima com inúmeros
presentes tais como joias, flores e elegantes
vestes.
Esperançoso,
no festival de Vênus (Afrodite), celebrado em
Chipre, Pigmalião implora à deusa por uma bela e
virtuosa companheira: “Se vocês podem nos
dar tudo, todas as coisas, ó deuses, rezo para
que minha mulher possa ser como minha menina
de marfim.”.
Comovida,
a deusa do amor e da beleza, fazendo a
chama do altar se erguer três vezes, dá indícios
de que atenderá a seu pedido. Mas
não encontrando na terra nenhuma mortal que
atingisse a perfeição de beleza física de tão
amada escultura, decide dar vida à pedra.
Ao
regressar à sua casa, Pigmalião deita-se ao lado
de Galatéia, a quem chama de adorada esposa e,
ao beijá-la, sente-a corar, percebe que “as veias
pulsam sob seus dedos”. Atônito e
extremamente agradecido, Pigmalião une-se à sua
Galatéia e gera uma bela menina chamada Pafos.
Guiado
pelo mito, o dramaturgo irlandês George Bernard
Shaw (1856-1950), escreve a peça intitulada
“Pigmaleão” (comédia satírica) – que inspirou o
musical “My Fair Lady” e os filmes (comédias
românticas) de mesmo título, inclusive o de
1964, com a adorável Audrey Hepburn. Nos filmes,
firmando aposta com um amigo, o professor
Higgins decide transformar uma humilde florista
ambulante numa refinada dama da sociedade.
Atingido
seu intento, apaixona-se pela ‘obra’ que criou,
mas tem seu amor recusado pela moça.
Empenhando-se, no entanto, o professor acaba por
conquistá-la.
Explorando
o mito, nos fins dos anos sessenta, os
psicólogos americanos Robert Rosenthal e Lenore
Jacobson mostram que acalentar alguma
idealização pode se revelar profícuo numa
relação. Focando na relação professor/alunos,
eles se dedicaram à análise do quanto o otimismo
de nutrir boas expectativas pode se revelar
benéfico.
Nossa
expectativa, nossa percepção, quer seja de
pessoas, quer seja da realidade tem efeito sobre
as pessoas que conhecemos, convivemos, sobre a
própria realidade e também na maneira como nos
relacionamos.
Segundo
a teoria que denominaram “Efeito Pigmalião” (ou
efeito Rosenthal), ao confiar previamente no
benéfico, o benéfico se presentifica. Se
partirmos do pressuposto de que alguém ou alguma
situação é favorável (bondosa, cortês,
virtuosa), consequentemente estaremos
contribuindo para que essas características se
presentifiquem.
Para
o estudioso Douglas McGregor: “quem tem
expectativas ruins sobre os outros, não
acredita neles ou não vê suas qualidades,
costuma colher o pior dessas pessoas; já quem
tem expectativas positivas, tende a obter o
melhor de cada uma delas.”.
Se
decidirmos antecipadamente que alguém é vulgar,
idiota ou inimigo, por exemplo, estaremos ‘dando
o tom’ e o que surgir alinhar-se-á mais
facilmente a essa expectativa.
No
afã da realização de um ideal de parceria,
esquadrinhamos em nossa psique as
características desejáveis (sobretudo no
cônjuge) e, meio que cegos ao direito à
individualidade, nos esquecemos de que as
pessoas têm personalidade própria e que é
improvável que alguém venha a atender
inteiramente aos nossos anseios.
Embora
essa esperança de correspondência abarque a
todos àqueles que nos cercam – em maior ou menor
grau, idealizamos os pais, irmãos e até mesmo os
amigos –, será ao projetar nossos ‘ideais’ no
parceiro e nos filhos que mais poderemos nos
sentir desapontados. Prevenidos com uma
consciência mais realista em relação à
diversidade, às fraquezas humanas, enfim,
munidos de certa sensatez, amenizaríamos algumas
desilusões.
No
caso de Pigmalião – talentoso artista –, seu
desejo foi plenamente atendido. Para nós, demais
mortais, uma pretensão exagerada pode culminar –
em maior ou menor grau – n’alguma frustração.
Insistir em ‘tirar leite de pedra’, então, pode
até terminar em tragédia, como exibem os
noticiários.
Constatamos que, no mito, graças à crença no poder de uma
divindade, Pigmalião teve a benção de ver se
materializar o ideal de perfeição que ansiava
encontrar numa esposa. O professor de “My Fair
Lady” pelos seus esforços, pôde – além de fazer
emergir na humilde mocinha, a distinta dama que
a habitava –, aflorar nela o amor que sonhava. E
o “Efeito Pigmalião” também pode contribuir
nesse sentido.
Obviamente,
nada garante que nossas expectativas serão
plenamente realizadas, sobretudo quando elevamos
padrões e almejamos nada menos que a 'perfeição'
(e isso quando nem mesmo nós somos assim,
'perfeitos'). Mas, no caminho que leva à
concretização desse ideal, é salutar que, ao
invés de pedras nas mãos, tenhamos flores.