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1 de fev. de 2013

O MITO DO REI MIDAS - A sociedade de jumentos



“A convenção é a medida comum e uniforme do banalizado”. Paul Diel

“O homem (...) superará as influências se viver segundo a justiça, mas, se seguir as suas tendências cegas, se descer à classe dos brutos e dos animais, vivendo com eles, o rei da natureza já não comanda, é comandado pela natureza”. Tycho-Brahé

O desequilíbrio entre os tão sublimes anseios espirituais e os desejos materiais, comumente favoráveis a esse último, resvala em rebaixamento não apenas do corpo, mas também da alma, não somente do indivíduo, mas de toda a sociedade.

Herdamos a responsabilidade de harmonizar essa relação através do bom uso da ratio, pois como afirma o renomado pensador francês, Paul Diel: “No ser consciente, o meio de satisfazer o amor exaltado pela terra é o intelecto (...)”.

Fruto de uma perversidade grotesca dos indivíduos, a banalização dos – cada vez mais irrefreáveis – desejos materiais, aceita e incorporada por cada indivíduo culmina num consenso social que, sorrateiramente, corrói toda base cultural da vida dos homens, que é a própria sociedade.

Sabemos que os relatos mitológicos comportam profunda compreensão da psicologia humana, permitindo-nos a atentar às risíveis deformações psíquicas que, tornadas “comuns” devido à frequência, podem ser erroneamente tomadas como condições “normais” (e até mesmo desejáveis) da vida.

Dentre os mitos gregos a representar essa deformação psíquica, exemplar é o do famigerado rei Midas que, simbolizando dois aspectos da ‘banalização convencional’, o lucro e a luxúria, incorre na depravação de duas pulsões corporais: material e sexual.

Atentemos aos episódios das desventuras de Midas, soberano da Frígia (região da atual Turquia), por onde corre o rio Pactolo, cujo povo usava um gorro vermelho, o famoso “capuz frígio” e, segundo Diel “tinha fama proverbial junto aos gregos por sua libertinagem e devassidão”.

Certa vez, num dos seus costumeiros passeios pela região, o orgiástico e caótico deus Dioniso (Bacco), sempre acompanhado de Sátiros, constatou que seu fiel companheiro, o velhinho manguaceiro, Sileno, perdera-se do grupo.


Atraído por ânforas de vinho propositalmente disponibilizadas pelo simpatizante Midas, Sileno foi encontrado bêbado por alguns camponeses e levado à presença do rei.

Instruído nos “Mistérios órficos” que alertam a não menosprezar nenhuma divindade, Midas o recebeu da melhor forma possível, banqueteando-o por dias e dias. Depois disso, com todo zelo, levou Sileno até o deus do vinho.

Feliz da vida por ter reencontrado seu querido Sileno, são e salvo, Dioniso decide, por gratidão, conceder a Midas o que ele desejasse. Rico, mas cobiçando ainda mais riquezas (meio de acesso a todos os prazeres), tomado por uma ansiedade nervosa, que é a exaltação imaginativa dos desejos, cego pela ganância, Midas nem pensa: “Quero que tudo o que eu toque se transforme em ouro!”.

Espantado, entre o lamento e o riso por tão desastrosa escolha, Dioniso o atende prontamente. E qual não foi o assombro do rei ao comprovar, maravilhado, que tudo, absolutamente tudo o que tocava, transformava-se em ouro puro.

Passada a euforia de suas pueris e deslumbradas brincadeiras no palácio – tocou incansavelmente, tornando ouro tudo com o que se deparava (paredes, colunas, portas, piso, mobília, adornos, flores, animais e até pedras), viu o anoitecer aproximar-se.

Faminto, constatou que até mesmo suas bebidas e alimentos transmutavam-se, instantaneamente, no mais nobre metal.

Por temor a esse extraordinário poder, todos os serviçais o evitavam, pois, sem querer, até mesmo à própria filha, ao abraçar, petrificou em ouro.

Triste e solitário, Midas então compreende que devido à perda de uma visão mais sublime da vida, substituída por uma euforia material, sua felicidade esvaiu-se.

Pressentindo seu fim iminente, o rei “viu-se pobre no meio de toda aquela abundância enganadora que o condenava a morrer de inanição”.

Aterrorizado, em comovente arrependimento, aos prantos, o rei ajoelha-se e roga a Dioniso que, desfazendo o encantamento, o livre do “dom fatal que de bom só tinha a aparência”.

Penalizado, Dioniso o orienta a banhar-se no rio Pactolo e o funesto dom desaparece por completo. Diz-se que é por isso que, até hoje há pepitas de ouro no leito desse rio.

Tolo demais, pois não cultivava o intelecto que o tornaria apto a disciplinar a efervescência dos desejos imaginativamente exaltados, ainda restava em Midas muito do medíocre concupiscente, do insensível ao sublime que sempre fora.

Por isso, mais uma vez, ele não tarda a errar em seu julgamento, na escolha entre a vida sublime e a vida perversa.

Juntamente com as Musas, Midas foi designado a ser um dos juízes de um concurso musical entre a lira de Apolo (deus da harmonia) e a flauta de Pã (célebre fauno que acompanha Dioniso).

Após as apresentações, contrariando o voto dos demais, o ouvido bárbaro de Midas dá a vitória a Pã, elegendo a música eroticamente grotesca em detrimento da sublime.



Furioso pelo ultraje, Apolo decide punir tal injustiça ornando o soberano com orelhas de asno (burro), dizendo que, ao privilegiar a música de Pã, aquelas estúpidas orelhas não podiam ser humanas.

Envergonhado, morrendo de medo que os outros soubessem, Midas esconde suas orelhas de asno, símbolo da sua ignorância.

É desse mito que advém a associação desse inocente animal – o burro – ao que não privilegia o intelecto. Mas tal insígnia cabe mais apropriadamente a Midas.

Incapaz de assumir suas próprias faltas, ao dissimular a estigmatização vergonhosa de seu vício escondendo-as bem sob um gorro, Midas crê estar sendo esperto. 


Forçando uma inversão do banal em ideal, o rei pensou estar disfarçando, mas, o capuz lhe serviu e, denunciando ainda mais, ‘assinou’ toda sua estupidez. Por esse ato, a irônica indagação se a carapuça ‘serve’ se tornou usual.

Paul Diel afirma que “O intelecto que perde sua lucidez não é senão um pensamento carregado de afetividade primitiva, cego e extremamente permeável a todos os erros correntes”. Alerta ainda que isso não impede que o ‘banalizado convencional’ mostre-se astucioso na perseguição de seus objetivos, geralmente inconfessáveis.

Passado um tempo, cabelos e barbas do rei Midas cresceram muito. Não podendo mais adiar o corte, ele mandou chamar o barbeiro e, na calada da noite, trancafiou-se com ele em seus aposentos, ameaçando-o que se ele ousasse falar com quem quer que fosse sobre o que iria ver, estaria assinando sua própria condenação. Condenação à morte!

Disfarçando o espanto com as surpreendentes orelhas do rei e tentando aparentar indiferença, o barbeiro profere: “Não sei do que Vossa Majestade está falando, pois eu nada vi nesta sala que já não tivesse visto antes”. O soberano tranquilizou-se, certo de que seu segredo estava assegurado.

Angustiado e triste, o pobre barbeiro ansiava desesperadamente por dividir o peso insuportável desse segredo, mas a simples lembrança do luzir da espada do carrasco o continha.

Refém de terrível sofrimento, pensou ter uma ideia brilhante: afastou-se o mais que pôde da cidade e cavou um buraco na terra. Abaixando-se, cochichou lá dentro: “Midas, o rei Midas tem orelhas de asno!”.

Com taquicardia, apressou-se a cobrir imediatamente o buraco com a terra e, sentindo o coração bastante aliviado, retornou silenciosamente à sua casa.

O tempo passou. Na primavera seguinte, galhos de cana brotaram exatamente do buraco aonde o barbeiro havia confiado o segredo do rei Midas. Com a passagem do vento, esses galhos sibilavam – de forma cada vez mais inteligível –, as palavras secretas que foram confiadas à terra.

Da terra, aos galhos; dos galhos aos ventos e, dos ventos, espalhado por toda a cidade: o segredo de Midas estava na boca de todos que, não falando noutra coisa, faziam do patético monarca motivo de chacota.


Deprimido por tamanho constrangimento, com medo do escândalo, angustiado diante da opinião dos outros, Midas compreende que o lúgubre estado de sua alma é um castigo.

Tendo caído no ridículo perante a opinião pública – forma de culpabilidade –, o imprudente confina-se em seu palácio.


Por falta de discernimento, bom senso e bom-gosto, não somente no carnaval – festividade dionisíaca por excelência – mas o tempo todo, sem o menor pudor, nossa sociedade tornou-se Midas. E a burrice impera.



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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

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As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

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Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

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TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

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O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

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