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1 de mai. de 2013

Tratado Sobre a Tolerância - Voltaire e UNESCO


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“Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”. Voltaire

O exercício da tolerância ao estranho, ao estrangeiro, é algo tão árduo aos ‘racionais’ que, atendendo ao direito arcaico, na mitologia grega, não por acaso (sem causa) esse foi o primeiro epíteto do ordenador do cosmos, Zeus: “Protetor de Forasteiros” (Xênios). É também a isso que roga o Primeiro Artigo da “Declaração Universal dos Direitos do Homem” (ONU – 1948), onde impera o dever de agir com espírito de fraternidade.

Insiste-se nisso porque dificilmente alguém pode orgulhar-se de não acalentar nenhum preconceito. Quando não adversos à sexualidade (homoafetivos, por exemplo), são quanto ao aspecto físico (negros, idosos, obesos, portadores de deficiência), à religião (judeus, evangélicos, mórmons, etc.), simplesmente à precária condição econômica ou de deficiência cognitiva. 

Mesmo aquele que se declara isento de preconceito – que nada mais é que uma reação moral espontânea – poderá se flagrar espantado com a visão de uma quinquagenária grávida, por exemplo. Nossa psique é formada em nosso ambiente e seus valores, o que constitui nossa "cultura".


Quando se roga por tolerância, a primeira ideia que vem à mente é a da ‘obrigação’ de consentir, aguentar, suportar, aceitar algo indesejado. Mas, como esclarece a Declaração de Princípios sobre a Tolerância (UNESCO - 1995), em seu Artigo 1º: “A tolerância não é concessão, condescendência, indulgência”. A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo.

Sustentáculo dos direitos humanos, não é só um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica, uma atitude ativa fundada no reconhecimento dos direitos fundamentais do outro.

A perda do sentido de dever é tão forte que ao pensar nos direitos pensa-se nos “meus” direitos, não nos direitos dos outros. Curioso é o esquecimento dos “meus” deveres, mas não, jamais se esquece dos deveres dos outros.

Seja no seio familiar, nas escolas, nos locais de trabalho e, enfim em toda comunidade à qual participamos, acalentar intolerância fomentando a hostilidade promove a exclusão conduzindo os marginalizados à frustração, à revolta e ao fanatismo. A educação, em todos esses meios, é o modo mais eficaz de prevenir a intolerância. Ensinar sobre os direitos e liberdades dos outros é uma forma de assegurar o respeito e um incentivo à vontade de proteger esses direitos e liberdades.


Nossa intolerância advém da cegueira do nosso tempo. Outrora, em nosso ainda estreito horizonte, uniões inter-raciais ou divórcio, por exemplo, foram deploráveis. Hoje, constitui uma realidade aceita e os filhos de pais separados não são mais olhados de soslaio.

Enfrentar, esclarecer e iluminar o hoje, pelo amanhã é um caminho para a tolerância. Com isso se empenhou o filósofo iluminista François-Marie Arouet (1694-1778), conhecido pelo pseudônimo de Voltaire, que lutou ferrenhamente em defesa da tolerância, da liberdade e da Justiça.

Na França de Voltaire, as autoridades arrogavam para si o direito de apontar, perseguir, condenar e matar as minorias por suas crenças religiosas.

Seu “Tratado sobre a Tolerância” (1763) partiu da revolta pela injustiça cometida a um humilde pai de família, que, após um julgamento apressado e obscuro fora condenado a uma morte dramática devido à intolerância religiosa. Trata-se do famoso caso de Jean Calas, onde o clamor popular eclipsou a falta de provas.

O nobilíssimo e aristocrático pensador encarrega-se do caso e ganha a causa moralmente, reabilitando a inocência do injustiçado: “(...) o furor da facção e a singularidade do destino concorreram para assassinar juridicamente na roda o mais inocente e mais infeliz dos homens para dispersar-lhe a família e para reduzi-la à mendicância (...)”.

Será a partir de seu envolvimento nesse drama que Voltaire, cauteloso, pois sabe que enfrenta poderosos, amplia perspectivas e propõe modificações na legislação antiprotestante.

Humanista, Voltaire advoga com brilhantismo! A agudeza argumentativa para mobilizar a opinião pública fez parte de sua estratégia e o empenho na redenção de Jean Calas pôs fim à perseguição dos protestantes.

Segundo o estudioso René Pomeau: “Foi somente em 1787 que o rei Luis XVI decidiu-se a promulgar um édito de tolerância, em favor de seus súditos que não pertenciam à religião católica (...).”.

Avançando e ampliando mais, a Declaração dos direitos do homem de 1789 (link:  http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf ) institui que “todos os cidadãos [...] são igualmente admissíveis a todas as funções graduadas, colocações e empregos públicos [...] sem outras distinções além daquelas de suas virtudes e de seus talentos”, findando então a exclusão teórica dos protestantes.

Ainda que a Declaração de 1789 não afirme explicitamente a liberdade do culto público, seu artigo X estipula que “ninguém deve ser importunado por suas opiniões, inclusive religiosas, contanto que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

E o artigo XI, ao afirmar que “a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem” implicava uma liberdade de culto que era, na verdade, daí em diante, praticada sem entraves, afirma Pomeau.

Embora tenha se inspirado em John Locke, que desenvolveu como ideia principal “a distinção entre a comunidade política e a sociedade religiosa, a distinção e a separação radical entre as funções da Igreja e as do Estado”, Voltaire não tinha por objetivo essa separação, mas a subordinação da Igreja ao Estado, pois enxergava nisso um meio eficaz de se garantir a tolerância.

Fortemente embasado através de um amplo panorama histórico, o “Tratado” está repleto de relatos de atrocidades cometidas por diversas religiões ao longo de toda a história até sua época. São sofrimentos desumanos, dilacerantes.  

Atento quanto à supremacia dos interesses mundanos sobre os preconceitos, inclusive religiosos, Voltaire designa a Bolsa de Londres, como sendo um dos lugares privilegiados da tolerância.

Dentre os trechos mais comoventes dessa sua obra, destacamos a impressionante “Prece a Deus”, com a qual Voltaire conclui seu Tratado: “Já não é aos homens que me dirijo, é a Ti, Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos” (confira texto na íntegra, logo abaixo).

A despeito de nossa revelia, urge nos imbuirmos de dissipar os preconceitos, se não por nós, ao menos a favor de nossos descendentes, para que sejam poupados da violência cultivada em nossas enraizadas, egoístas e caquéticas convicções morais (de mores, costumes).


Certamente, não nos referimos aqui a aberrantes e indiscutíveis perversidades (pedofilia, necrofilia, zoofilia, etc.), mas a recusa em legalizar civilmente uma relação homoafetiva que pressupõe amor e mútuo consentimento, revela-se arbitrariamente violenta.

Quanto às religiões, compartilho da ideia de Voltaire de que o conhecimento absoluto, em matéria de metafísica, ultrapassa o alcance do espírito humano e o que produz o valor de um credo, de uma crença, não é seu conteúdo, mas a fé: “Quanto mais seitas houver, tanto menos perigosa cada uma será (...)”.


Em nosso país, convivem pacificamente, espíritas, católicos, judeus, mórmons, testemunhas de Jeová, muçulmanos, ateus, umbandistas, zoroastras, budistas, protestantes, taoistas e muitos, muitos outros.


O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) nos diz que o dever fundamental do homem é a própria perfeição e a felicidade alheia. Nós invertemos: a própria felicidade e a perfeição alheia.

Prece a Deus - Voltaire

Não é mais aos homens, portanto, que eu me dirijo, mas a você, Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos; se a frágeis criaturas perdidas na imensidão e imperceptíveis ao resto do universo, for permitido ousar pedir algo a você, você que tudo concedeu, você cujos decretos são tanto imutáveis quanto eternos, digne-se olhar com piedade aos erros ligados à nossa natureza; que tais erros não se transformem em calamidades. 

Você não nos deu um coração para odiar nem mãos para nos degolarmos uns aos outros; faça com que nos ajudemos mutuamente a suportar o fardo de uma vida penosa e passageira; que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem nossos corpos débeis, entre todas as nossas línguas insuficientes, entre todos os nossos costumes ridículos, entre todas as nossas leis imperfeitas, entre todas as nossas opiniões insensatas, entre todas as nossas condições tão desproporcionais a nossos olhos, mas tão iguais diante de você; que todas estas pequenas nuances que distinguem os átomos chamados homens, não sejam sinais de ódio e de perseguição; que aqueles que acendem velas em pleno meio-dia, para celebrar você, suportem aqueles que se contentam com a luz de seu sol; que aqueles que colocam sobre a roupa um véu branco para dizer que é preciso amar você, não detestem os que dizem o mesmo debaixo de um manto de lã negra; que aqueles cujas roupas são tingidas de vermelho ou púrpura, que dominam uma parcelazinha de uma porçãozinha do barro  deste mundo e que possuem alguns fragmentos redondos de certo metal, usufruam sem orgulho daquilo que eles chamam de grandeza e riqueza, e que os outros os olhem sem inveja: pois você sabe que nessas vaidades não há o que invejar nem do que se orgulhar.

Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos! Que todos tenham horror à tirania exercida sobre as almas, do mesmo modo como acham execrável a bandidagem que toma à força o fruto do trabalho e da indústria pacífica! Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos dilaceremos uns aos outros no seio da paz e empreguemos o instante de nossa existência a bendizer igualmente em mil línguas diversas, do Sião à Califórnia, a sua bondade, que nos concedeu este instante.


Fonte: Tratado sobre a Tolerância - por ocasião da morte de Jean Calas (1763), cap. XXIII.

Dedicado aos 70 anos de João Antonio Ferreira: tolerante e otimista, meu amado pai.
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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

Abordo "O mito da caverna", de Platão - Livro VII da República.

Eis o télos (do grego: propósito, objetivo) da Filosofia e do filósofo. Agir na cidade. Ação política. Phrônesis na Pólis.

Curso de Mitologia Grega

Curso de Mitologia Grega
As exposições mitológicas explicitam arquétipos (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo) atemporais e universais.

Desse modo, ao antropomorficizarem os deuses, ou seja, dar-lhes características genuinamente humanas, os antigos revelaram os princípios (arché) de sentimentos e conflitos que são inerentes a todo e qualquer mortal.

A necessidade da ordem (kósmos), da harmonia, da temperança (sophrosyne) em contraponto ao caos, à desmedida (hýbris) ou, numa linguagem nietzschiana, o apolíneo versus o dionisíaco, constitui a base de toda antiga pedagogia (Paidéia) tão cara à aristocracia grega (arístois, os melhores, os bem-nascidos posto que "educados").

Com os exponenciais poetas (aedos) Homero (Ilíada e Odisséia), Hesíodo (A Teogonia e O trabalho e os dias), além dos pioneiros tragediógrafos Sófocles e Ésquilo, dispomos de relatos que versam sobre a justiça, o amor, o trabalho, a vaidade, o ódio e a vingança, por exemplo.

O simples fato de conhecermos e atentarmos para as potências (dýnamis) envolvidas na fomentação desses sentimentos, torna-nos mais aptos a deliberar e poder tomar a decisão mais sensata (virtude da prudencia aristotélica) a fim de conduzir nossas vidas, tanto em nossos relacionamentos pessoais como indivíduos, quanto profissionais e sociais, coletivos.

AGIMOS COM MUITO MAIS PRUDÊNCIA E SABEDORIA.

E era justamente isso que os sábios buscavam ensinar, a harmonia para que os seres humanos pudessem se orientar em suas escolhas no mundo, visando atingir a ordem presente nos ideais platônicos de Beleza, Bondade e Justiça.

Estou certa de que a disseminação de conhecimentos tão construtivos contribuirá para a felicidade (eudaimonia) dos amigos, leitores e ouvintes.

Não há dúvida quanto a responsabilidade do Estado, das empresas, de seus dirigentes, bem como da mídia e de cada um de nós, no papel educativo de nosso semelhante.

Ao investir em educação, aprimoramos nossa cultura, contribuimos significativamente para que nossa sociedade se torne mais justa, bondosa e bela. Numa palavra: MAIS HUMANA.

Bem-vindos ao Olimpo amigos!

Escolha: Senhor ou Escravo das Vontades.

A Justiça na Grécia Antiga

A Justiça na Grécia Antiga

Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

Nessa imagem de Bouguereau, Orestes (Membro da amaldiçoada Família dos Atridas: Tântalo, Pélops, Agamêmnon, Menelau, Clitemnestra, Ifigênia, Helena etc) é perseguido pelas Erínias: Vingança que nasce do sangue dos órgãos genitais de Ouranós (Céu) ceifado por Chronos (o Tempo) a pedido de Gaia (a Terra).

O crime de matricídio será julgado no Areópago de Ares, presidido pela deusa da Sabedoria e Justiça, Palas Athena. Saiba mais sobre o famoso "voto de Minerva": Transição do Matriarcado para o Patriarcado. Acesse clicando AQUI.

Versa sobre as origens de Thêmis (A Justiça Divina), Diké (A Justiça dos Homens), Zeus (Ordenador do Cosmos), Métis (Deusa da presciência), Palas Athena (Deusa da Sabedoria e Justiça), Niké (Vitória), Erínias (Vingança), Éris (Discórdia) e outras divindades ligadas a JUSTIÇA.

A ARETÉ (excelência) do Homem

se completa como Zoologikon e Zoopolitikon: desenvolver pensamento e capacidade de viver em conjunto. (Aristóteles)

Busque sempre a excelência!

Busque sempre a excelência!

TER, vale + que o SER, humano?

As coisas não possuem valor em si; somos nós que, através do nôus, valoramos.

Nôus: poder de intelecção que está na Alma, segundo Platão, após a diânóia, é a instância que se instaura da deliberação e, conforme valores, escolhe. É o reduto da liberdade humana onde um outro "logistikón" se manifesta. O Amor, Eros, esse "daimon mediatore", entre o Divino (Imortal) e o Humano (Mortal) pode e faz a diferença.

Ser "sem nôus", ser "sem amor" (bom daimon) é ser "sem noção".

A Sábia Mestre: Rachel Gazolla

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O Sábio Mestre: Antonio Medina Rodrigues (1940-2013)

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