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1 de set. de 2013

Movimentos filosóficos helenísticos: os cínicos


“As novas leis da cidade são arbitrárias e já não observam o equilíbrio cósmico.” Néstor Luis Cordero


Sobre propostas que fundamentem nosso agir, sabemos algo dos hippies, dos punks e dos grunges, por exemplo, mas talvez saibamos pouco sobre os movimentos que surgiram na Grécia, como os cínicos, estoicos e epicuristas. Ponderemos sobre os cínicos.

Segundo o estudioso Néstor Luis Cordero, em sua obra “A invenção da Filosofia”, a proposta dos cínicos se inspira em uma dicotomia que surgiu na época da sofística, entre os partidários das leis da pólis (consagração dos costumes) e os defensores das leis da natureza (phýsis).

Cordero afirma que tanto Platão quanto Aristóteles concebiam que a excelência humana é alcançada no exercício político, ou seja, na participação social, na pólis.

A pólis de Platão e Aristóteles foi uma estrutura social formada por um conjunto de cidadãos unidos por leis estabelecidas por seus membros e “consolidadas por organismos coletivos de poder, o que supõe uma autonomia [...] total”.

A Atenas de Aristóteles, no entanto, testemunhou o desmoronamento dessa estrutura quando, derrotada na Batalha de Queroneia (338 a.C.), passou a ser parte do império macedônico de Felipe, pai do lendário Alexandre, o grande: “As leis de uma cidade ocupada já não são autônomas, e a democracia que subsiste é somente formal”.

Na “época helenística”, progressivamente foram desaparecendo as pequenas cidades-estados, reduzidas ao denominador comum identificado, genericamente, como sendo a “Grécia”. E as coisas continuaram assim, inclusive séculos depois, quando essas cidades-estados passaram a integrar o Império Romano.


Sendo a filosofia, como bem salienta o autor, um reflexo de seu tempo, testemunha-se uma sutil alteração: “o cidadão (polítes) transforma-se em cidadão do universo (kosmopolítes)”.

Perdido em meio à globalização imperial que o cerca, o indivíduo dirige seus pensamentos para seu interior, em estabelecer os meios de garantir sua plenitude, sua felicidade, pois “A participação natural nos assuntos da cidade, fonte da excelência humana”, enfraqueceu.

A nova maneira de filosofar não se pauta mais no modelo da harmonia que se poderia encontrar na pólis, mas no que se encontra à disposição na própria natureza. O tecido da “lei” da pólis (que se dá quando um costume, um hábito se torna objetivo, normativo) se esgarça.

Nesse momento histórico e dos povos, as leis da cidade tornam-se arbitrárias, corruptíveis, inconstantes, enquanto as leis da natureza são imutáveis. Encontrando nela um “norte”, as escolas helenísticas conclamavam que era preciso viver de acordo com a natureza, “pois somente ela determina o útil e o nocivo”. Obviamente, cada escola (cínicos, estoicos e epicuristas) buscou interpretar a natureza a seu modo.

Os cínicos (do grego kynikós = como um cão), os primeiros a testemunhar e reagir à perda da autonomia de Atenas, surgiram durante o reinado de Alexandre e tomaram a palavra “natureza” ao pé da letra, desconsiderando as normas sociais e identificando-se especificamente com os cães de rua.

Segundo Cordero, o cínico era um filósofo desapegado que vivia de maneira selvagem, marginal, tal qual um cão.


Espelhavam-se na figura de Sócrates, de quem Antístenes – fundador do cinismo – teria sido ouvinte. Filho de uma escrava, Antístenes não possuía cidadania ateniense, necessária para adquirir uma propriedade (como Platão), nem fortuna pessoal para alugar uma (caso de Aristóteles); por isso, contentou-se em ocupar um ginásio abandonado conhecido como Cinosargo (mesmo nome do fiel cão de Ulisses).

Discípulo de Antístenes, Diógenes da cidade de Sínope é o lendário propagador do movimento. Teria sido por volta de 380 a.C. que Diógenes, fugindo de Sínope por falsificação de moedas, ingressou ao grupo dos “do Cinosargo”.


Diógenes, como Sócrates nada escreveu, tornou-se um personagem sobre o qual muitos escreveram. Mais largado ainda e com muito mais bom humor, desdenhava os superpoderosos monarcas enxergando-os como míseros escravos. Hilárias são as frases que se atribuem a ele: “Já que nos tratam como cães, agiremos como tais”.

Rechaçando tudo o que era supérfluo, Diógenes trazia consigo apenas um grande jarro (semelhante a um barril), seu tríbon (um manto grosseiro que usava tanto para se cobrir quanto para dormir) e uma lanterna acesa até mesmo durante o dia, que dizia trazer para ajudá-lo a procurar um homem que fosse justo.


Pioneiro na crítica à sociedade de consumo, ele desprezava as pessoas que dependiam de seus bens e tornavam-se escravas deles e das convenções e regras sociais que certa posição exigia. Não tardou a angariar seguidores que o imitassem.


Semelhantes aos cães, que satisfazem suas necessidades, inclusive as sexuais, como lhes apraz, os cínicos primavam pela falta de pudor (anáideia) contra a falsa moral vigente. Após masturbar-se em praça pública, Diógenes lamentava: “Pena que a fome não passe alisando o estômago”. Conta-se que quando pessoas “respeitáveis” fugiam de sua presença, desprezava-os ironizando: “Não temam, nós cães não comemos carniça”.


Essa e muitas outras sacadas espirituosas de Diógenes estão disponíveis em nosso Blog, inclusive a mais famosa que ousou proferir ao próprio Alexandre. Reza a lenda que após ouvir do poderoso que lhe concederia o que desejasse, Diógenes pediu apenas que ele saísse da frente do sol que o aquecia. O temido conquistador teria proferido: “Se não fosse Alexandre, gostaria de haver sido Diógenes”.

Por não ter uma doutrina, instituição ou tratados específicos, o movimento cínico foi tomado mais como mera provocação, uma filosofia de ocasião; mas há controvérsia, pois segundo Cordero: “os cínicos representam fielmente o sentido que teve a filosofia desde suas origens: assentar as bases de um modo de vida.”.

Privilegiando uma didática provocativa, “o cínico quer despertar a consciência da massa globalizada vítima de necessidades impostas por falsos valores [...].”.

O credo cínico proclamava: “necessário é aquilo que satisfaz a vida do ser humano; o supérfluo, ao contrário, faz dele um escravo que destrói a natureza e que termina por acabar com os recursos naturais”.

Na theoría dos cínicos, a excelência humana consiste na obtenção da felicidade, esse é o propósito (télos) da vida. E sem delongas: “Infeliz, tu pretendes filosofar e arruínas com longos discursos o melhor da vida humana”, repreendia Diógenes.

Como atalho, os cínicos propõem a áskesis, uma espécie de exercício cotidiano que supõe pôr em prática uma força física e moral. Assim como a prática conduz a excelência, a áskesis permite ao infeliz tornar-se feliz: somos infelizes porque permitimos que nos imponham falsos valores e falsas metas, devemos então suprimir os dois pilares sobre os quais se apoia a sociedade: o luxo e o prazer, que tanto
 causam sofrimentos e infortúnios.

O afã por prazeres não encontra limites e debilita o caráter. Esforça-se e desgasta-se muito para satisfazê-los. Na verdade, o homem teria uma personalidade forte se fosse capaz de resistir às privações e sofrimentos.


A palavra sofrimentos (pónos) – diz Cordero –, significa uma “experiência dolorosa” (daí “pena”): “Quando esse tipo de experiência se acaba, sobrevém o único tipo de prazer admitido pelos cínicos: a ausência de sofrimento.”. Os cínicos praticavam a áskesis para poderem suportar as penas (pónoi).

Afirma também que a áskesis apoia-se sobre três pilares: autossuficiência, liberdade e apatia.

A autossuficiência é a situação de quem se satisfaz com o que tem. Isso conduz à liberdade, pois o indivíduo torna-se independente, não se submetendo às obrigações externas.

Mas o autor salienta que há dois tipos de liberdade: a recusa das convenções (o que permitiria fazer o que se quer) e a aceitação voluntária de fatos que não dependem de nós (tsunamis, doenças, morte).

Chegamos então ao 3º pilar da áskesis: para se enfrentar os reveses inerentes à vida eles propõem a apatia, a ausência de páthos, de emoção e de paixão.


Por fim, avaliemos: escolhemos viver como estamos vivendo ou nos deixamos manipular por valores impostos pelos outros?

3 comentários:

ana disse...

Seus artigos são maravilhosos Luciene,te acompanho sempre... bjs
Ana Peruchi Milanez

Anônimo disse...

Eu tambem sou fa dos imperdiveis artigos e, principalmente, da estrela que os escreve. Aplausos, Professora! Adrianne

Luciene Felix disse...

Meninas,
Vocês são demais! \o/
Gratíssima por terem se manifestado.
Zilhões de beijos,
lu.

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Eis que a Sabedoria reina, mas não governa, por isso, quem pensa (no todo) precisa voltar para a caverna, alertar aos amigos. Nós vamos achar que estais louco, mas sabes que cegos estamos nós, prisioneiros acorrentados à escuridão da caverna.

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A Justiça na Grécia Antiga

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Transição do matriarcado para o patriarcado

A Justiça nos primórdios do pensamento ocidental - Grécia Antiga (Arcaica, Clássica e Helenística).

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