“O homem circunspecto, quando chega a ocasião de ser
impetuoso, não o sabe ser, e por isso se arruína, porque, se mudasse de
natureza, conforme o tempo e as coisas, não mudaria de sorte”. Nicolau
Maquiavel
Finalizamos o artigo anterior (AQUI) insistindo que as pessoas são levadas pelas aparências, daí a importância de se
aparentar possuir boas qualidades. Até aqui, parece-me que não mudamos muito
desde o renascimento.
Maquiavel prossegue então,
esclarecendo que, dentre as características que podem nos fazer desprezíveis
constam: ser volúvel, leviano, pusilânime e irresoluto.
E dentre as qualidades admiradas,
lista a grandeza, a coragem, gravidade e fortaleza, além da firmeza daqueles
cujas sentenças são irrevogáveis, o que faz com que nem passe pela cabeça de
alguém nos enganar.
Quem tem poder, sempre terá "bons" amigos. Castigos, reprimendas, enfim, imposição das penas, devem sempre ser delegada
a terceiros, já das boas notícias, dos agraciamentos e demais benfeitorias,
devemos nos encarregar pessoalmente.
Não convém que permitamos que
alguém nos odeie, mas se isso for mesmo inevitável, que – ao menos – evitemos
ser odiados pela maioria, pois uma boa reputação sempre nos defende. Fazer
coisas vis, pouco dignas nos torna desprezíveis no conceito das pessoas e não
há fortaleza que nos proteja disso (que o Governo de Israel, atente a isso em Maquiavel).
Por isso é tão importante que se
trabalhe no sentido de, em cada ação, conquistar fama de grande homem: “Nada
faz estimar tanto um príncipe como os grandes empreendimentos e o dar de si
raros exemplos”, diz Maquiavel.
Diz ainda que é estimado quem sabe
ser verdadeiro amigo e verdadeiro inimigo: “(...) isto é, quando, sem qualquer
preocupação, age abertamente em favor de alguém contra um terceiro”. E
comprova, por A+B que tomar partido será sempre mais útil do que conservar-se
neutro.
A tibieza (ficar em cima do muro)
deve ser evitada porque, segundo ele, “se dois poderosos vizinhos teus se
puserem a brigar, ou são de qualidade que, vencendo um deles, tenhas que temer
o vencedor ou não”.
Salienta que em qualquer caso
será sempre mais útil tomar partido e fazer guerra de fato porque, se não estivermos
ao lado de quem vencer, seremos sempre presa dele, do vencedor. E, detalhe: com
grande prazer por parte do derrotado, já que optamos por nos abster: “E não
tens razão nem coisa alguma em tua defesa nem quem te acolha”.
Por outro lado, quem vence não
quer amigos suspeitos, que não ajudem nas adversidades. E assim, numa polêmica,
o “mosca morta” que não se decide sobre qual parte apoiar não poderá contar nem
com quem venceu nem com quem perdeu.
Perspicaz, Maquiavel aponta que
aquele que não é teu amigo pedirá que sejas neutro e aquele que é teu amigo
pedirá que tomes partido abertamente: “E os príncipes irresolutos, para se
afastarem destes perigos, seguem, as mais das vezes, aquela linha neutra, e
quase sempre são mal sucedidos”. É interessante como essa teoria pode ser
confirmada até mesmo nos mais prosaicos e ordinários conflitos familiares ou
empresariais.
Quando tomamos coragem e nos
colocamos abertamente ao lado de um dos que estiverem em conflito, se aquele ao
qual aderimos vencer, ainda que seja poderoso ele terá obrigações para conosco
e será compelido a nos devotar amizade: “e os homens não são nunca tão maus que
queiram oprimir a quem devem ser gratos”.
Por outro lado, Maquiavel afirma
que se aquele a quem ajudamos vier a perder a questão, ele nos socorrerá quando puder,
e, nesse caso, ficaremos ligados a uma fortuna (sorte) que pode ressurgir: “A prudência
está justamente em saber conhecer a natureza dos inconvenientes e adotar o
menos prejudicial como sendo bom”.
O Florentino reitera que um príncipe deve
mostrar-se amante das virtudes e honrar os que se revelam grandes numa arte
qualquer. Deve também, nas épocas apropriadas, proporcionar festas e
espetáculos ao povo, além de dar provas de afabilidade e munificência, mantendo
sempre integral, contudo, a majestade da sua dignidade, a qual não deve faltar
em nada.
Sobre aqueles que elegemos para
participar de nossa vida, diz ser de grande importância saber
escolher, pois “A primeira conjetura que se faz, a respeito das qualidades de
inteligência de um príncipe, repousa na observação dos homens que ele tem ao
seu redor”. Eis sua releitura do famoso “Diz-me com quem andas...”.
O autor deve ter presenciado
tantas, mas tantas intrigas que insiste em salientar inúmeras vezes, o quão é
importante que não confiemos em ninguém: “Não desejarias cair só por creres que
encontrarias quem te levantasse. Isso ou não acontece, ou, se acontecer, não te
dará segurança, porque é fraco meio de defesa o que não depende de ti”,
ressaltando que só são bons, certos e duradouros os meios de defesa que
dependem de nós mesmos e do nosso valor.
Maquiavel reconhece que muitas
pessoas comungam da opinião de que as coisas do mundo são governadas pela
fortuna e por Deus, de modo que a prudência dos homens não pode corrigi-las e
que, por isso, poderíamos achar ser desnecessário nos incomodarmos, deixando
que a sorte nos governe.
Afirma pensar que a fortuna seja
mesmo árbitra de metade de nossas ações, mas que, no entanto, ainda assim, ela,
a fortuna, nos deixa governar quase a outra metade.
Comparando a fortuna (o
acaso) a um rio impetuoso que quando se encoleriza alaga e destrói
tudo, chama a atenção para o fato de que, quando as coisas se acalmam, os
homens podem sim, fazer os reparos necessários, precaverem-se para os reveses.
É assim que acontece com a (má) fortuna, diz ele: “O seu poder é manifesto onde não existe resistência
organizada, dirigindo ela a sua violência só para onde não se fizeram diques e
reparos para contê-la”.
Não é raro testemunharmos o sucesso e a ruína de muitos, mesmo que não tenha havido mudança na sua natureza, nem em algumas das suas qualidades. A razão disso é: “que quando um príncipe se apoia totalmente na fortuna, arruína-se segundo as variações daquela”. Claro: a "Roda da Fortuna"... Roda.
Apropriado é, segundo Maquiavel,
combinar o modo de proceder com as particularidades dos tempos, e “infeliz o
que faz discordar dos tempos a sua maneira de proceder”. Adequação é a
palavra-chave, nesses casos.
Na busca por glória e riquezas,
os homens costumam proceder de modos diversos: uns são circunspectos, outros
impetuosos; Uns agem com violência, outros com astúcia, paciência e, cada um,
por estes diversos modos pode alcançar seus objetivos: “Vê-se que, de dois
indivíduos cautelosos, um chega ao seu desígnio e outro não, e do mesmo modo,
dois igualmente felizes, com dois modos diversos de agir, são um circunspecto e
outro impetuoso, o que resulta apenas da natureza particular da época, e com a
qual se conforma ou não o seu procedimento”. Ele insiste em alertar que quando os tempos
mudam, quem não altera seu modo de proceder, se arruína.