No
artigo anterior, acompanhamos o raciocínio de Platão até onde ele
conclui que entregamos as rédeas do Estado aos políticos por serem
homens que possuem a ciência que lhes é necessária. No entanto,
elegemos “titicas de tiriricas”. Mas, qual seria o retrato do
político, do homem “real” (no sentido de régio mesmo)?
A
pesquisa sobre o que é o político existe para nos tornar melhores
dialéticos a propósito de todos os assuntos possíveis, pois é
preciso aprender a distinguir os astuciosos, mágicos sofistas, dos
verdadeiros políticos.
Examinemos
o gênero de governo exercido sobre a cidade e vejamos se os
políticos estão acima de seus súditos “tal como o pastor divino,
ou no mesmo nível”, pois a arte que prima por cuidar dos
seres humanos é a “arte” do rei (real) e do político.
Esse
“cuidado” pode ser exercido pela força, como fazem os tiranos ou
pode ser aceito de boa vontade pelo povo: trata-se da política, que
é a arte que se ocupa da pólis (cidade).
Para
que possamos ter uma régua que nos auxilie a elogiar ou censurar –
seja lá o que for –, precisamos ponderar sobre a arte da medida,
que versa sobre grandeza e pequeneza, excesso ou falta.
O
maior, por exemplo, só é maior com relação ao menor; E
vice-versa: “(...) aquilo que ultrapassa o nível da medida, ou
permanece inferior a ele, seja em nossa conversa, seja na realidade,
não é exatamente, a nosso ver, o que melhor denuncia a diferença
entre os bons e os maus?”.
Com
o raciocínio acima, Platão conclui que somos forçados a admitir
que, seja para o grande, seja para o pequeno, há dois modos de
existência e dois padrões. Um desses padrões é a relação
recíproca e outro é a relação de ambos com o que ele denomina
como sendo “a justa medida”.
A
“arte da medida” é o que nos permite aferir que,
profissionalmente, Fulano é superior a Ciclano, entretanto, inferior
ao que seria ideal, perfeito, desejável, por exemplo.
Para
que abarquemos a arte de medir, precisamos distinguir, de uma lado,
as artes para as quais o número, os cumprimentos, as profundidades,
larguras e espessuras se medem por seus opostos (pouco/muito;
curto/cumprido; raso/profundo; largo/estreito; fino/grosso, etc.) e,
de outro lado, todas aquelas que se referem à justa medida, a tudo
aquilo que é conveniente, oportuno e devido, a tudo que conserva o
meio entre dois extremos.
Essas
duas divisões amplas diferem entre si. E a ciência da medida se
aplica a todas as coisas que se transformam: “A regra exata seria,
quando nos apercebermos de que um certo número de coisas possui algo
em comum, não abandoná-la antes de haver distinguido, naquilo que
tem em comum, todas as diferenças que constituem as espécies
(...)”. É assim que encontramos dois gêneros de medida, conforme
os caracteres que lhes atribuímos.
Para
Platão, certas realidades possuem suas semelhanças naturais, fáceis
de se descobrirem, em objetos que falam aos sentidos, mas no caso das
maiores e mais preciosas realidades, das que não possuem imagens
criadas que deem aos homens uma intuição clara, nos embaraçamos
com argumentos: “(...) Assim é necessário procurarmos saber dar a
razão de cada coisa e compreendê-la; pois as realidades incorpóreas
que são as maiores e mais belas, revelam-se apenas à razão e
somente a ela (...)”.
Sobre
os modos de governar, sabemos que a monarquia é uma das formas de
poder político. Governo de pequeno número – aristocracia –,
também. E há ainda a terceira forma de constituição, que é a
soberania das massas, denominamos democracia.
A
monarquia pode ser tirânica ou pode ser mesmo uma realeza. Num
governo de pequeno número, podemos ter uma aristocracia ou uma
oligarquia: “Apenas, na democracia, é indiferente que a massa
domine aqueles que tem fortuna (...)”.
A
questão é discernir: “Em qual dessas constituições reside a
ciência do governo dos homens, a mais difícil e a maior de todas as
ciências possíveis de adquirir? Pois essa é a ciência que é
necessário considerar se quisermos saber que rivais devemos afastar
do rei competente, concorrentes que pretendem ser políticos (…),
embora não o sejam de maneira alguma”.
Quer
reine ou não, só merecem o título de rei os que possuem a ciência
real: “E quer governem a favor ou contra a vontade do povo; quer se
inspirem ou não em leis escritas; quer sejam ricos ou pobres, é
necessário considerá-los chefes, de acordo com o nosso atual ponto
de vista, desde que governem competentemente por qualquer forma de
autoridade que seja”. Para o filósofo, os chefes seriam
possuidores da ciência verdadeira e não de um simulacro de ciência.
Quanto
às leis, diz estar claro que, de certo modo, a legislação é
função real; entretanto o mais importante não é dar força às
leis, mas ao homem real, dotado de prudência, isso porque a lei
jamais seria capaz de estabelecer, ao mesmo tempo, o melhor e o mais
justo para todos, de modo a ordenar as prescrições mais
convenientes: “A diversidade que há entre os homens e as ações,
e por assim dizer, a permanente instabilidade das coisas humanas, não
admite em nenhuma arte, e em assunto algum, um absoluto que valha
para todos os casos e para todos os tempos”. Embora seja
precisamente este “absoluto” que a lei procura.
Se é
impossível, ao que permanece sempre absoluto, adaptar-se ao que
nunca é absoluto, por que é necessário fazer as leis se elas não
são a regra perfeita?
O
que acontece com o legislador é que “tendo que prescrever
obrigações de justiça e contratos recíprocos, jamais seria capaz,
promulgando decretos gerais, de aplicar, a cada indivíduo, a regra
exata que lhe convém”. Não há como, a cada momento, aproximar-se
de cada indivíduo a fim de prescrever exatamente o que deve ou não
fazer.
As
leis estabelecem o que convém à maioria dos casos e dos indivíduos,
e assim de modo geral, legisla para cada um, por meio de leis
escritas ou não, contentando-se, neste caso, em dar força de lei
aos costumes nacionais: “(...) se alguém conhece leis melhores que
as existentes não tem o direito de dá-las à sua própria cidade
senão com o consentimento de cada cidadão”.
Um
chefe pode ou não lançar mão da persuasão, ater-se às leis
escritas ou livrar-se delas, desde que governe utilmente, afirma
Platão: “Não é nisto que reside a verdadeira fórmula de uma
administração correta da cidade, segundo a qual o homem sábio e
bom administrará os interesses de seu povo?”.
E,
citando o capitão de uma embarcação como exemplo, aponta que este:
“(...) longe de escrever um código, mas tendo sempre sua atenção
voltada para o bem do navio e seus marinheiros, estabelece a sua
ciência como lei e salva tudo o que com ele navega, assim
também, de igual modo, os chefes capazes de praticar esse método
realizarão a constituição verdadeira, fazendo de sua arte uma
força mais poderosa do que as leis.”.
E
nos pergunta se não será verdade que os chefes sensatos
podem fazer tudo, sem risco de erro, desde que observem esta única e
grande regra: distribuir em todas as ocasiões, entre todos os
cidadãos, uma justiça perfeita, penetrada de razão e ciência,
conseguindo não somente preservá-la, mas também, na medida do
possível, torná-la melhor.
Esses
são atributos do homem que detém a ciência real e faz jus ao cargo
político que ocupa, pois é incontestável “Que a massa, qualquer
que seja, jamais se apropriará perfeitamente de uma tal ciência de
sorte a se tornar capaz de administrar com inteligência uma cidade
(…)”.
Platão
chama a atenção para o fato de que, não havendo, para nós, senão
uma única constituição exata, aquela a que nos referimos (a
perfeita, a ideal), sabes que as demais devem, para substituir,
procurar naquela (na perfeita, na ideal) as suas leis escritas e agir
de acordo com o que hoje se aprova.
Cabe
ainda ao chefe dotado de ciência real, proibir a todas as pessoas de
transgredir as leis e punir aquele que ousar fazê-lo, pois em
qualquer domínio em que se estabeleçam leis e códigos escritos,
impõe-se jamais permitir ao indivíduo ou à massa qualquer ato que
possa infringi-los, no que quer que seja.
Faz-se
necessário ouvir os ensinamentos de Platão, sempre perfeito, sempre
atual. Com os votos sinceros de um Natal de Amor e um Ano vindouro de
paz e prosperidade, prossigamos, amigos!
Luciene
Felix Lamy
Professora
de Filosofia e Mitologia Greco-Romana da
Galleria
Borghese, Roma
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mitologia@esdc.com.br