"A escola de Atenas" (1509/11), por Rafael Sanzio. Museu do Vaticano, Roma.
Nos dois artigos mais recentes (março e abril) tivemos a oportunidade de conhecer
algumas peculiaridades do Renascimento, movimento artístico que,
pautado por tantas descobertas nas áreas da ciência e do humanismo
culminou numa avalanche de criativa genialidade, legando beleza.
Concluindo nossa explanação sobre esse marco na História da Arte
e, consequentemente, na História da humanidade, neste mês, trazemos
as características do período denominado “Cinquecento” (já
abordamos o “Trecento” e o “Quatrocento”), que desponta por
volta do século XVI.
Na Idade Média, início do Renascimento, o foco ainda estava no
culto aos ensinamentos e valores eclesiásticos. É no “Cinquecento”
que os artistas se sentem ainda mais seduzidos pela beleza dos
corpos, sua força e perfeição.
Saímos da sacralidade estática do Bizantino, ganhamos “vida” na
cotidianidade, através do pioneirismo de Giotto di Bondone (AQUI) e
resgatamos a mitologia pagã com Botticelli, por exemplo (AQUI).
Agora, avançando mais um pouco, numa nova perspectiva, santos,
mártires e profetas voltam a ser retratados com toda pompa e
solenidade, pois somente o que fosse descomunalmente sublime , até
“transcendente” era digno de representação.
Influenciados pela antiguidade clássica, os artistas redescobrem e
perseguem gestos e serenidade no porte. Michelangelo é um exemplo de
genialidade nas esculturas, cujo grau de realidade extraído do
mármore impressionava em cada detalhe, explicitando profunda
expressividade inclusive no olhar.
Voltando-se para os detalhes, os Renascentistas afastam-se do
comportamento de seus patronos, que eram novos ricos mais discretos,
pois buscavam reconhecimento sem chamar demais a atenção. Assim,
até a paleta e o uso das cores fogem um pouco do excesso de colorido
e de brilho do “Quatrocento”, caminhando para certa dramatização
mais contida.
Ainda no “Quatrocento”, foram esses ricos senhores que, almejando
o status de nobres, ajudaram a traçar o perfil do que viria a ser o
profissional das artes.
Digno de nota é que no “Cinquecento”, os grandes mestres se
tornam eles mesmos, ricos senhores. Isso porque a valorização do
trabalho de um pintor ou escultor, agora como verdadeiro artista, não
mais um simples artesão, o alça a profissional reconhecido e bem
remunerado. Mais que tirá-los da marginalidade, os alça a um
patamar realmente privilegiado.
Michelangelo Buonarroti, apesar de ter vivido com modéstia, chegou a
recursar o pagamento por seu trabalho na Basílica de São Pedro,
pois estava bem de vida. E Rafael Sanzio, por exemplo, já estava
muitíssimo bem estabelecido quando executou suas mais magníficas
obras.
No entanto, todo esse reconhecimento tinha seu preço. Cabia ao
artista buscar “sua própria forma de representação na tentativa
de alcançar uma diferenciação entre os tantos que surgiam o mesmo
conhecimento”.
Embora a formação técnica e científica proporcionada pelas
oficinas ainda se mantivessem por todo o período “Cinquecento”,
ela não influenciava mais na formação e estilo dos artistas.
Entretanto, com o surgimento do conceito de “arte científica”,
com Leon Battista Alberti, a matemática apresenta-se como sendo uma
disciplina comum tanto à arte quanto à ciência, reivindicando as
teorias de perspectivas e proporções como sendo partes dela.
Para Leonardo Da Vinci, a pintura era uma espécie de ciência
natural exata, mas também superior às ciências porque essas são
imitáveis, enquanto a arte, por estar ligada ao gênio do artista,
seria única.
Foi no período “Cinquecento” que o Renascimento ampliou ainda
mais seu alcance e inspirou a realização de grandes obras em toda a
Europa, tanto na pintura (Albrecht Dürer e Hans Holbein, na
Alemanha, por exemplo) quanto na literatura: Dante, Gil Vicente,
Camões, François Rabelais e Maquiavel, dentre outros.
Nas ciências, são também desse período os gênios tais como
Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e Giordano Bruno, que ousaram
tirar o monopólio do saber das mãos da Igreja, causando alvoroço.
Enquanto no “Quatrocento” o movimento Renascentista espalha-se
pelas cidades italianas, no “Cinquecento” chega aos demais países
europeus até ir perdendo força no interior da própria Itália.
Um novo período começa a surgir. Trata-se do “Maneirismo” (pois
à maneira do autor), movimento que será marcado pelo
exagero, o negativismo e certo afastamento da antiguidade clássica.
Segundo especialistas, muitos dos artistas que realizaram seus
trabalhos próxima a essa fase, o “Cinquecento”, já foram
influenciados na concepção de suas obras. El Greco é um bom
exemplo sobre o que nos referimos. O afresco do “juízo final”,
por Michelangelo, na Capela Sistina, também já apresenta os traços
fortes desse novo estilo.
Para fechar a trilogia sobre o Renascimento, convido os leitores a
apreciar (abaixo) a análise da mais famosa obra do ariano (6 de abril) Rafael Sanzio
(1483-1520), “A escola de Atenas” (afresco na “Stanza della
Segnatura”, no Vaticano, em Roma).
Rafael nasceu em Urbino, morou
em Florença, alçou a fama cedo, em Roma e partiu precocemente, com
apenas 37 anos de idade. Seus restos mortais repousam no Panteão, em Roma.
Nessa obra imperdível, famosos filósofos, guerreiros, matemáticos,
astrônomos, sábios e demais pensadores, figuram entre os lúcidos
deuses do lógos (ratio): Apolo e Athena (Hélios e
Minerva, na mitologia romana).
Clique sobre as imagens para ampliá-las.
Rafael era tão, mas tão prodígio que, só para ter uma ideia, enquanto Michelangelo pincelava os afrescos da Capela Sistina, lá estava o jovem de 25 aninhos, encarregado do salão que seria a Biblioteca (Stanza della Segnatura) do Vaticano.
Por sorte, “A Escola de Atenas” traz muitos dos ilustres de minha área: mitologia greco-romana e “Antiga” (como designamos a disciplina de Filosofia que abarca as épocas Arcaica, Clássica e Helenística). Vamos à análise!
Nessa obra, famosos filósofos, guerreiros, matemáticos, astrônomos, sábios e demais pensadores, figuram entre os lúcidos deuses do lógos (ratio) Apolo e Athena (Hélios e Minerva, na mitologia romana).
A escultura de Apolo está no canto superior esquerdo. O deus da saúde e da harmonia ostenta sua lira, que fora presente de Hermes (Mercúrio), confeccionada inicialmente com tripas de carneiro e casco de tartaruga.
A deusa da Sabedoria e Justiça (e também da téchne), Palas Athena, porta sua lança, o elmo e o escudo com a cabeça da rainha das Górgonas, Medusa, que fora presente do herói Perseu.
Platão e Aristóteles.
Em destaque, no centro, os dois maiores filósofos da Antiguidade: Platão, segurando sua obra “Timeu” (sobre o Cosmos), aponta o dedo para o alto, chamando a atenção para o mundo das ideias. Rafael presta homenagem a Leonardo Da Vinci ao retratar Platão com suas feições. E, Aristóteles (manto azul), discípulo de Platão, carrega sua “Ética [a Nicômaco]” e, com sua mão apontando para o chão, chama a atenção para realidade.
Em destaque, no centro, os dois maiores filósofos da Antiguidade: Platão, segurando sua obra “Timeu” (sobre o Cosmos), aponta o dedo para o alto, chamando a atenção para o mundo das ideias. Rafael presta homenagem a Leonardo Da Vinci ao retratar Platão com suas feições. E, Aristóteles (manto azul), discípulo de Platão, carrega sua “Ética [a Nicômaco]” e, com sua mão apontando para o chão, chama a atenção para realidade.
Alexandre, "O Grande", Xenófanes e Sócrates.
Aqui, temos o rei da Macedônia e discípulo de Aristóteles, o Grande Alexandre (356-323 a.C.), ricamente trajado, com elmo, espada, ouvindo a Sócrates (470-399 a.C.) usa vestes num verde-oliva, que parece exemplificar algum saber através dos dedos das mãos. Alguns autores creem que o idoso de vestes avermelhadas que também o ouve atentamente seja Xenófanes (ou Antístenes).
Aqui, temos o rei da Macedônia e discípulo de Aristóteles, o Grande Alexandre (356-323 a.C.), ricamente trajado, com elmo, espada, ouvindo a Sócrates (470-399 a.C.) usa vestes num verde-oliva, que parece exemplificar algum saber através dos dedos das mãos. Alguns autores creem que o idoso de vestes avermelhadas que também o ouve atentamente seja Xenófanes (ou Antístenes).
Zenão e Epicuro.
Zenão de Eleia (o idoso de capuz verde) e Epicuro, com uma guirlanda de parreira na cabeça. Assim como houve o movimento hippie e o grunge, por exemplo, tanto Zenão quanto Epicuro fundaram movimentos filosóficos helenísticos: o estoicismo e o epicurismo (já publicados aqui em nosso Blog).
Zenão de Eleia (o idoso de capuz verde) e Epicuro, com uma guirlanda de parreira na cabeça. Assim como houve o movimento hippie e o grunge, por exemplo, tanto Zenão quanto Epicuro fundaram movimentos filosóficos helenísticos: o estoicismo e o epicurismo (já publicados aqui em nosso Blog).
Hipásia, Parmênides, Pitágoras, Averrois e Boécio.
Nesse trecho, a nos fitar, observamos a única figura feminina do quadro: Hipásia? Monalisa Fornarina personificando o Amor ou ainda Francesco Maria della Rovere? De pé, a seu lado, Parmênides (“O Ser, É.”), com vestes dourada. Sentado, escrevendo algo, encontra-se o matemático grego Pitágoras (580-500 a.C.). Um aluno segura a lousa de sua demonstração, enquanto o árabe Averrois (de turbante) presta atenção e, Boécio (calvo, com sua caderneta sobre os joelhos) faz suas anotações.
Nesse trecho, a nos fitar, observamos a única figura feminina do quadro: Hipásia? Monalisa Fornarina personificando o Amor ou ainda Francesco Maria della Rovere? De pé, a seu lado, Parmênides (“O Ser, É.”), com vestes dourada. Sentado, escrevendo algo, encontra-se o matemático grego Pitágoras (580-500 a.C.). Um aluno segura a lousa de sua demonstração, enquanto o árabe Averrois (de turbante) presta atenção e, Boécio (calvo, com sua caderneta sobre os joelhos) faz suas anotações.
Heráclito de Éfesos.
Com a mão sobre a têmpora, naquela típica posição de pensador (inspirador de Rodin?), eis o magnânimo filósofo pré-socrático, Heráclito de Éfesos, que tanto inspirou Platão: “Tudo flui”; “Não se pode entrar das vezes no mesmo rio”; “O sol é e não do tamanho de um pé” e tantos outros aforismos. Rafael homenageia Michelangelo, ao retratar Heráclito com suas feições.
Com a mão sobre a têmpora, naquela típica posição de pensador (inspirador de Rodin?), eis o magnânimo filósofo pré-socrático, Heráclito de Éfesos, que tanto inspirou Platão: “Tudo flui”; “Não se pode entrar das vezes no mesmo rio”; “O sol é e não do tamanho de um pé” e tantos outros aforismos. Rafael homenageia Michelangelo, ao retratar Heráclito com suas feições.
Diógenes, o "cínico".
É digno de nota o destaque que o artista deu a Diógenes (412-323 a.C.), o “mendigo” fundador da escola “cínica” (nada a ver com o que hoje entendemos por cinismo) que, alheio ao burburinho, esparrama-se sobre a escadaria. Diz a anedota que, certa vez, o Grande Alexandre, tendo ouvido falar de Diógenes, foi até ele e disse: “Sou Alexandre, o rei da Macedônia e posso lhe o conceder o que quiseres.”, ao que Diógenes prontamente respondeu: “Saia da frente do Sol!”. E, o guerreiro: “Não fosse eu Alexandre, gostaria de ser Diógenes.”.
É digno de nota o destaque que o artista deu a Diógenes (412-323 a.C.), o “mendigo” fundador da escola “cínica” (nada a ver com o que hoje entendemos por cinismo) que, alheio ao burburinho, esparrama-se sobre a escadaria. Diz a anedota que, certa vez, o Grande Alexandre, tendo ouvido falar de Diógenes, foi até ele e disse: “Sou Alexandre, o rei da Macedônia e posso lhe o conceder o que quiseres.”, ao que Diógenes prontamente respondeu: “Saia da frente do Sol!”. E, o guerreiro: “Não fosse eu Alexandre, gostaria de ser Diógenes.”.
Euclides, Ptolomeu, Zoroastro, Plotino e Rafael Sanzio.
Rodeado por quatro atentos alunos, o matemático grego Euclides, debruça-se sobre uma pequena lousa e, com o uso de um compasso, demonstra um princípio geométrico. De costas, trajando dourado e calçando sandálias vermelhas, está o astrônomo Ptolomeu (teórico do Heliocentrismo), diante dele, também com um globo, mas estrelado, Zoroastro. No alto, de pé, com um longo manto vermelho, eis meu adorado filósofo grego Plotino: “Sábio é quem em tudo lê.”. No cantinho à direita, olhando diretamente para nós, está o autor dessa obra: Rafael Sanzio.
Rodeado por quatro atentos alunos, o matemático grego Euclides, debruça-se sobre uma pequena lousa e, com o uso de um compasso, demonstra um princípio geométrico. De costas, trajando dourado e calçando sandálias vermelhas, está o astrônomo Ptolomeu (teórico do Heliocentrismo), diante dele, também com um globo, mas estrelado, Zoroastro. No alto, de pé, com um longo manto vermelho, eis meu adorado filósofo grego Plotino: “Sábio é quem em tudo lê.”. No cantinho à direita, olhando diretamente para nós, está o autor dessa obra: Rafael Sanzio.
Vai viajar à Europa? Confira essa NOVIDADE!
luciene felix lamy
Professora
de Filosofia e Mitologia Greco-romana da
Galleria
Borghese, Roma
lucienefelix.blogspot.com
e-mail:
mitologia@esdc.com
Um comentário:
Boa noite Luciene,
Sempre tenho lido seu blog, sem dúvidas, o mais lindo blog da internet e penso sempre postar meu comentário, meu elogio, um feed back positivo, porém só consigo me identificar com a denominaçāo abaixo que é um pequeno blog que mantenho com um grupo de amigos. Como não consigo me identificar com meu nome, termino sem por meu comentário. Há como mudar?
Glória Jane Melo
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